Considerado o documento mais completo da medicina egípcia, o Papiro de Ebers, escrito em 1534 A.C., já descrevia um tônico para controlar os sintomas da malária, preparado com a casca de uma árvore – a salix, conhecida entre nós como salgueiro.
O tônico da salix foi uma panaceia receitada durante séculos para abaixar a febre e aliviar dores nas juntas e em outras partes do corpo. A partir dos anos 200 D.C., por meio do comércio e das expedições militares, seu uso se espalhou pelo mundo civilizado.
Em 1894, o químico Felix Hoffman, contratado pela Bayer, conseguiu sintetizar o ácido acetilsalicílico, patenteado com o nome de aspirina.
Embora aceito universalmente como antitérmico e anti-inflamatório, seu mecanismo de ação só se tornou conhecido a partir dos anos 1970. Nessa época, foi identificada outra de suas propriedades: a de inibir a agregação das plaquetas.
Graças a essa atividade surpreendente, ele passou a ser indicado na prevenção de doenças cardiovasculares.
Nos anos 1990, dezenas de ensaios com milhares de pacientes demonstraram que administrar doses baixas de ácido acetilsalicílico, depois de derrames cerebrais ou ataques cardíacos, reduz o risco de um segundo episódio (prevenção secundária).
Por analogia, os médicos começaram a receitá-lo para pessoas que nunca tiveram doenças cardiovasculares, para diminuir o risco de desenvolvê-las (prevenção primária).
No início deste mês, a agência americana que regula alimentos e medicamentos (FDA – Food and Drug Administration) emitiu o seguinte parecer a respeito da prevenção primária: “Depois de exame cuidadoso dos grandes estudos, o FDA concluiu que os dados científicos não justificam o emprego de aspirina como medicação preventiva em pessoas que nunca tiveram ataque cardíaco, derrame cerebral ou outros problemas cardiovasculares, uso conhecido como prevenção primária”.
E, acrescentou: “O benefício não está estabelecido, mas os riscos – como hemorragias gástricas e cerebrais – são evidentes”.
Para que os termos prevenção primária e secundária não provoquem confusões, é importante deixar claro que a contraindicação do ácido acetilsalicílico para pessoas saudáveis fica restrita apenas às que nunca apresentaram doenças cardiovasculares. Aquelas que já tiveram infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou obstruções arteriais devem ser mantidas em regimes de doses baixas, diárias, para reduzir o risco de recidivas.
Ao lado da prevenção secundária, o ácido acetilsalicílico tem outra indicação importantíssima em cardiologia: quando administrado nas primeiras 24 horas depois de um infarto do miocárdio, reduz pela metade o risco de morte ou de ocorrer um segundo infarto.
Em caso de não haver médico por perto de alguém com dores no peito sugestivas de ataque cardíaco, não hesite: dois a três comprimidos de 100 mg de ácido acetilsalicílico, imediatamente. Só fará mal se a pessoa for alérgica.
Drauzio Varella