Justiça lenta: ‘Não é uma questão de defesa, para protelar mesmo’, diz presidente da AMB

Juiz João Ricardo dos Santos Costa critica empresas por uso de recursos como forma de atrasar punições

BRASÍLIA — Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o juiz gaúcho João Ricardo dos Santos Costa, é natural que as varas mais congestionadas do país sejam as fiscais — aquelas responsáveis pela cobrança de dívidas. A seu ver, isso passa pela forma como algumas empresas do país usam o Judiciário: elas pagam advogados para produzirem recursos e, assim, adiarem a aplicação das penas. Para Costa, a demora faz a Justiça parecer menos democrática.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a Vara de Execuções Fiscais de SP tem 1,55 milhão de processos. É papel do Judiciário cobrar dívidas?

Defendemos a desjudicialização da execução fiscal. Ficaria para o Judiciário a defesa do cidadão. Quando ele não concorda com a dívida, vai ao Judiciário. É claro que, se não querem pagar, vão entrar na Justiça para trancar a dívida. Isso é da cultura. A solução era não ter tanto recurso. A pessoa entraria com a ação, teria direito a um recurso e pronto.

O poder público não poderia fazer mais acordos?

A prefeitura tem limitações para fazer acordo nessa área por conta da legislação. Os Tribunais de Contas fiscalizam. Município de interior não tem advogado. O prefeito fica vulnerável e pode ter seu mandato cassado. Então eles têm medo e jogam para o Judiciário. Se não cobram a dívida, o Tribunal de Contas cobra deles.

A vara menos congestionada é a criminal de Florianópolis. O que explica isso?

Há uma atuação menos incisiva da defesa, porque é só pobre, na verdade. E as varas fiscais têm processos de empresas grandes, com mais recursos para defesa. As telefônicas e os bancos, que são grandes demandantes, têm contratado os escritórios de advocacia por peça processual, em vez de por um valor mensal. Logo, quanto mais peticionarem, mais ganham. Isso já demonstra as intenções na utilização do Judiciário. Não é uma questão de defesa, é para protelar mesmo.

A punição a réus que protelam a conclusão de processos é tímida no Brasil?

Não temos mecanismos eficazes para isso. A litigância sai muito barata. Vale a pena. Uma telefônica, que tem milhões de processos no Judiciário, ainda está no lucro se for condenada em meia dúzia deles. O CNJ poderia auditar os processos dos grandes demandantes para informar aos juízes das práticas protelatórias. Eu tenho pregado que a função principal do CNJ é informar o Poder Judiciário do macro. O juiz está focado no individual. Mas, se o juiz sabe que a prática é uma política do demandante, ele pega o processo isolado e vê que o mesmo acontece ali, ele pode punir a litigância de má-fé baseado na informação global.

Mas a realidade é bem diferente…

Sim, mas a litigiosidade mudou. O efeito da tecnologia nas relações de consumo bate nas instituições públicas de maneira brutal. Elas têm que se preparar para isso. Assim como as companhias atuam de forma sistêmica e com visão global de mercado, o Judiciário tem que ter visão global de suas decisões.

O acesso ao Judiciário é democrático?

Hoje, qualquer um tem acesso ao Judiciário, em teoria, com as defensorias públicas. Mas qual o resultado disso? O Judiciário está entupido. Equivale a não ir. Se você vai lá e não tem uma sentença, não tem seu direito garantido em uma sentença definitiva, você não tem acesso.

Acha que o congestionamento tende a diminuir?

Não. O atual Código do Processo Civil peca por não racionalizar o processo, não reduzir o número de recursos possíveis. Continuam os quatro graus (primeira instância, tribunais estaduais, tribunais superiores e Supremo Tribunal Federal), o que é um fato atípico em relação a outros sistemas judiciais.

Qual seria o ideal?

A AMB apresentou proposta na reforma do Código do Processo Civil para transformar os quatro graus em dois. Isso seria ótimo, porque daria efetividade ao Judiciário. Só iria para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para o STF questões de uniformização nacional ou questões constitucionais.

(Fonte: AMB/Divulgação: Renata Brandão)