Expurgos das poupanças durante planos Cruzado, Bresser, Collor I e Collor II movimentam magistrados, governo, bancos e consumidores em torno de julgamento que está parado no tribunal
Ações coletivas e individuais pedem ressarcimento pelos bancos de perdas acumuladas por diversos planos econômicos Brasília – O julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dos recursos referentes aos expurgos de antigos planos econômicos nas contas de poupança de cidadãos brasileiros terá dias importantes a partir das próximas semanas. É que os três ministros que relatam os recursos, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Antonio Dias Toffoli, vão se reunir para avaliar o procedimento a ser adotado para a coleta das informações que ainda precisam e, dessa forma, dar continuidade aos trabalhos. Dependendo do que decidirem, o julgamento poderá acontecer em pouco tempo ou demorar por quase um ano mais (já que, somente no STF, os processos se encontram parados há quase quatro anos).
A espera pela decisão deixa apreensivos e irritados advogados das partes e entidades de defesa do consumidor, que acusam os bancos, principais beneficiados com a demora, de estarem pressionando setores diversos para protelar ao máximo o julgamento. Conforme informações de áreas técnicas do STF, os ministros já teriam acenado, durante reuniões para tratar do tema, para duas possibilidades. A primeira seria a abertura de um pedido de diligência, pelo qual seriam solicitados esclarecimentos e informações às áreas responsáveis, o que praticamente atrasaria todo o processo.
A segunda alternativa seria a convocação de uma audiência pública, na qual a questão seria debatida amplamente com entidades da sociedade civil – o que atenderia a pedido feito pelo Banco Central e pela Advocacia Geral da União (AGU) ao tribunal. Após isso, o Ministério Público teria um prazo para analisar novos dados que foram apresentados nas últimas sessões do julgamento e a serem encaminhados durante a audiência, tanto por poupadores como também pelas instituições financeiras.
Na prática, as grandes dúvidas são as contradições em relação ao impacto que tais expurgos representariam hoje. Os três recursos que correm são ações coletivas movidas por pessoas que tinham poupanças na época dos planos Cruzado, Bresser, Collor I e Collor II e reivindicam o recebimento das diferenças provocadas pela aplicação dos índices econômicos definidos pelo governo durante a vigência de tais planos. Especulações dos representantes das instituições financeiras são de que, caso sejam acatados, os bancos terão de pagar volume que ficaria entre R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões.
Segundo os advogados das partes e dados do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) esses montantes não correspondem à verdade e o valor correto ficaria entre R$ 8 bilhões a R$ 10 bilhões.
Existem, hoje, entre 400 mil a 550 mil processos em tramitação nos tribunais brasileiros e perto de 100 ações civis públicas reivindicando expurgos de planos econômicos diversos, tendo como partes grupos de pessoas que eram poupadoras na época. Caso o julgamento do STF seja favorável aos poupadores – como se espera – terão direito ao ressarcimento todas as pessoas que possuíam contas em poupança na época e ajuizaram as ações em tribunais diversos.
Isso porque os ministros relatores dos recursos no STF definiram que os recursos serão julgados pelo procedimento da repercussão geral, segundo o qual, o que for decidido no julgamento valerá para todos os demais recursos com o mesmo tema e pode, inclusive, vir a se tornar uma súmula vinculante (decisão a ser seguida por todos os juízes e tribunais do país).
Para os representantes do Idec o envolvimento dos consumidores, não só dos poupadores prejudicados, com o tema, é bastante importante neste momento, como forma de contribuir para que o julgamento não sofra novos atrasos. “O silêncio do STF tem efeito sobre todas as outras demandas levadas ao Poder Judiciário. E não podemos esquecer que muitos direitos dos consumidores ainda dependem da Justiça para serem reconhecidos. O Poder Judiciário precisa ser eficiente e expressar a sua decisão de forma célere”, enfatiza a gerente jurídica do Idec, Maria Elisa Novais.
“Ainda precisamos de recursos judiciais e debates para convencer juízes e desembargadores da utilidade e dos benefícios de se ingressar com apenas um processo na Justiça em favor de muitas pessoas, movendo a máquina judiciária com menos recursos e alcançando objetivos em larga escala”, ressaltou ela.
Briga de décadas
O caso de reivindicação judicial dos expurgos dos planos econômicos tramita há 24 anos nos tribunais brasileiros. Mas quando a matéria foi julgada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2010, e foi dado ganho de causa aos poupadores, o então ministro relator, Sidnei Benetti, propôs a realização de um recall por parte dos bancos, para que reconhecessem as dívidas – o que adiantaria todo o rito do Judiciário.
O julgamento do STJ, no entanto, terminou sendo suspenso e o caso, encaminhado para o STF. Na época, quando a estimativa do valor a ser pago era de R$ 100 bilhões, a Federação Brasileira dos Bancos, Febraban, chegou a afirmar que a única alternativa seria promover uma ação contra o Estado para tentar o ressarcimento dos valores, o que preocupou a Secretaria do Tesouro Nacional.
No STJ, os ministros reconheceram o direito dos poupadores às diferenças dos planos Verão, Bresser e Collor II, mas não do Plano Collor I. Neste último caso, o Tribunal definiu que os valores superiores a NCz$ 50 mil (cinquenta mil cruzados novos) das cadernetas de poupança deviam ser corrigidos apenas com base no Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNF) e não pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), como pleiteavam o Idec e todos os poupadores que ingressaram com ações individuais. No entanto, o Banco Central (BC) alegou que já havia aplicado o BTNF às cadernetas afetadas pelo Plano Collor I. Então, na prática, nada mais deveria ser pago aos poupadores durante a vigência deste plano, a não ser que fosse provado o não recebimento da correção pelo BTNF.
O advogado Luiz Fernando Pereira, único que tem procuração nos três processos que vão a julgamento pelo STF, afirmou, na sustentação oral feita em novembro passado, que os bancos vêm apresentando dados falsos aos ministros do Supremo para se defender. Pereira é advogado constituído pela Associação de Proteção e Defesa do Consumidor. De acordo com ele, embora digam que terão de ressarcir os antigos poupadores em montante que chega a R$ 150 bilhões, caso o STF julgue os planos inconstitucionais, esse número é bem menor. Segundo ele, o total de ações que tramitam na Justiça pedindo o ressarcimento das perdas da poupança com os planos resultaria no pagamento de, no máximo, R$ 10 bilhões. “Os dados são constrangedoramente falsos”, destacou. Luiz Fernando Pereira ressaltou também que os bancos possuem provisionados apenas R$ 18 bilhões para o pagamento de ações judiciais, segundo seus balanços, o que pode ser uma prova de que esperam que a conta a pagar seja bem menor do que os alegados R$ 150 bilhões, caso saia a decisão do STF.
Conforme ainda destacou, o parecer da Procuradoria Geral da República apontou R$ 450 bilhões de ganhos para os bancos com os planos econômicos, em razão das mudanças provocadas nas contas de poupança. Isso teria acontecido porque nem todos os recursos que estavam depositados na caderneta foram destinados a empréstimos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). E, por esse motivo, a parcela que ficou livre teria resultado, por meio das informações neste parecer, em ganhos para tais instituições financeiras.
Cinco Razões
Recentemente, o CreditSuisse divulgou um estudo que vai ao encontro das declarações do advogado, afirmando que, de fato, são falsos os números do valor das indenizações a serem pagas argumentados pelos bancos. O estudo frisa textualmente que “há mais fumaça do que fogo” nos dados apresentados pelas instituições financeiras e destaca cinco razões para comprovar o equívoco. Conforme a entidade, o impacto ficaria na casa de R$ 8 bilhões a R$ 26 bilhões.
Os itens apresentados como razões são os seguintes: em primeiro lugar, o governo teria considerado o saldo de todas as contas de poupança naquele período, em vez de apenas considerar as contas que foram afetadas pela mudança na fórmula de remuneração. Em segundo lugar, o governo assumiu que todos os correntistas iriam pedir reembolso. Em terceiro lugar, o mesmo governo também assumiu que todos os titulares da conta possuem toda a documentação necessária para exigir a restituição dos valores e que todos os bancos mantêm os registros das contas de poupança daquele período disponível para consulta pública.
Em quarto lugar, destaca o relatório, o governo assume que todos os correntistas irão receber o seu pagamento imediatamente, após a potencial decisão favorável. E por último, o governo considera que os bancos perdem em todos os quatro planos econômicos. “A questão jurídica sempre foi singelíssima. Os bancos aplicaram retroativamente índices novos e menores às cadernetas de poupança. Há mais de 20 anos todo o Judiciário brasileiro vem decidindo sempre no mesmo sentido, reconhecendo ilegal prejuízo aos poupadores. A aplicação dos índices menores estava em evidente conflito com a garantia constitucional de intangibilidade do ato jurídico perfeito, como está em muitas decisões do STF. É esta premissa jurídica, grosso modo, que o Supremo terá de decidir se confirma ou não no julgamento”, disse Pereira.
‘Poupador não perdeu’
Já para o presidente da Febraban, Murilo Portugal, o poupador não perdeu com os planos. “Estamos confiantes que a Justiça reconhecerá que os bancos, ao aplicar as determinações do governo e dos órgãos reguladores nos vários planos econômicos, agiram no estrito cumprimento de um dever legal. Eles não poderiam agir de forma diferente. Avaliamos que esses planos eram importantes, cada um no seu contexto. Todos contribuíram de uma forma ou de outra para evitar o agravamento da situação econômica em cada época”, colocou.
Portugal ressaltou que o contrato de poupança envolve condições e cláusulas que são estatutárias e ligadas ao regime monetário e que não estão abertas à pactuação ou à negociação das partes. Entre essas cláusulas encontram-se a taxa de juros e o indexador. “Se um banco quiser fazer um contrato de poupança, não pode oferecer uma taxa de juros diferente daquela determinada (pela lei). Todos oferecem a mesma taxa. Igualmente, não podem oferecer um indexador diferente daquele que foi estabelecido”, assegurou.
(Fonte: site RBA)