Plano de (poucos) negócios

bendine

Investimentos da Petrobras devem cair até 41%, no menor patamar desde a crise global

Escândalos em série

A promessa do pré-sal não fará mais da Petrobras a principal locomotiva do crescimento econômico do país nos próximos anos. No novo Plano de Negócios de 2015 a 2019, que, segundo fontes, deve ser divulgado no dia 10 de junho, a estatal vai pisar no freio na tentativa de reduzir o seu nível de endividamento. Os investimentos vão oscilar de US$ 129 bilhões (R$ 387 bilhões) a US$ 141 bilhões (R$ 423 bilhões) no período, conforme dados da própria companhia. Esse será o menor nível de investimentos desde a crise global de 2008 e representará uma queda de até 41% em relação ao Plano anterior, de 2014 a 2018, de US$ 220,6 bilhões (R$ 661,8 bilhões).

O efeito, que será sentido por toda a economia e em especial na cadeia de fornecedores, vai afetar o nível de produção de petróleo: mais uma vez a companhia não conseguirá atingir suas metas, o que já vem ocorrendo desde 2003, no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O novo plano, que é aguardado com expectativa pelo mercado, vai priorizar ainda mais a área de Exploração e Produção (E&P), que ficará com 80% dos recursos, contra os 70% do plano anterior. Esse avanço vai na direção contrária ao segmento de refino, já que a estatal adiou a conclusão das obras do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), em Itaboraí, e da segunda unidade da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Segundo fontes, somente a conclusão do Comperj custaria mais R$ 5 bilhões, com a previsão de nova licitação para concluir os 14% restantes da obra, um processo que levaria, no mínimo, dois anos.

Moody’s: plano afetará produção

Assim, sem perspectivas de ter um aumento de caixa significativo, em razão dos preços dos combustíveis ou da venda de ativos, o corte nos investimentos foi a saída encontrada pela Petrobras para ter condições de cumprir com suas obrigações contratuais para os próximos anos. Até 2019, a companhia terá que arcar com R$ 643 bilhões de gastos com o pagamento de dívida e compromissos como a compra de gás natural. O cenário, influenciado pelos problemas de corrupção revelados na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, fez a estatal cair do 30º para o 416º lugar no ranking das melhores empresas de capital aberto no mundo, segundo a revista “Forbes”, em ranking que leva em conta vendas, lucros, ativos e valor de mercado das empresas. A estatal divulgará seus resultados do primeiro trimestre na próxima sexta-feira, dia 15.

Nymia Almeida, analista sênior da agência de classificação de risco Moody”s, afirma que o Plano de Negócios é essencial para entender a perspectiva da companhia a médio prazo e como a empresa vai se posicionar em relação à política de preços dos combustíveis nos próximos anos, já que os reajustes são controlados pelo governo. Nymia se mostra preocupada com o recuo do investimentos, que vai passar “de uma média anual (até 2014) de US$ 35 bilhões a US$ 40 bilhões para US$ 25 bilhões a US$ 29 bilhões”.

– O futuro é difícil. O menor nível de investimento vai afetar sua geração de caixa e a produção, que talvez comece a ser afetada a partir de 2017, já que esses investimentos são de longo prazo. Além disso, há a crise entre os fornecedores locais. Então, quem vai fazer? A companhia deve aumentar a produção entre 2% e 3% nos próximos anos, em linha com as outras petroleiras. O desafio da empresa é cortar custos e gerar caixa suficiente para investir com os próprios recursos -disse Nymia.

O endividamento da estatal, que já está dois níveis abaixo do grau de investimento pela Moody”s, com nota Ba2, também é visto com preocupação por Nymia. Segundo ela, o nível de alavancagem pode chegar em 2016 a seis vezes – ou seja, a estatal precisaria de seis anos para pagar a dívida com sua própria geração de caixa. A estatal fechou 2014 com um índice de 4,77 vezes e um endividamento líquido de R$ 282,1 bilhões.

Na semana passada, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Aldemir Bendine, presidente da Petrobras desde fevereiro, disse que a empresa vai buscar um nível de alavancagem de 2,5 vezes. Para isso, terá que priorizar investimentos. “Temos previsão de US$ 25 bilhões a US$ 29 bilhões por ano para investimento nos ativos da companhia”, disse, na audiência. Para 2016, a estatal prevê produção de 2,8 milhões de barris de óleo equivalente por dia, que pode variar 2% para cima ou para baixo.

– A Petrobras tem a maior alavancagem do mundo, mas, por outro lado, a produção estava crescendo. Por isso, os investidores continuavam aplicando na companhia. Como a empresa não vem entregando as suas projeções, é importante que a nova administração entregue resultados – completou Nymia.

14 blocos de concessão no pré-sal

Para Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), com menos investimentos, a produção de petróleo ficará estável nos próximos cinco a dez anos, sem o crescimento previsto anteriormente. Segundo ele, se a estatal investir US$ 25 bilhões por ano, US$ 20 bilhões em E&P não serão suficientes para novos projetos.

– A Petrobras não será mais aquela grande locomotiva que iria puxar o crescimento da economia, e o Rio será o estado mais prejudicado, por concentrar maior parcela da produção de petróleo – destacou Pires. – Se a Petrobras quiser reduzir seu endividamento, só se houvesse um “tarifaço” nos preços dos combustíveis, o que não vai acontecer, assim como a venda de ativos também será insuficiente.

Recentemente, a diretora de E&P, Solange Gomes, disse que a empresa pode até vender parte de seus ativos exploratórios do pré-sal onde há “alto risco exploratório” com a busca de parceiros. Atualmente, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a Petrobras tem participação em 14 blocos de exploração no pré-sal, no regime de concessão – dos quais está sozinha em cinco. No regime de partilha – no qual a União é dona do petróleo produzido – tem apenas a área de Libra, na Bacia de Santos.

Para o especialista em óleo e gás Márcio Balthazar da Silveira, da consultoria NatGas Economics, o novo plano tem que ser realista e levar credibilidade ao mercado. Para Balthazar, está claro que a prioridade da gestão de Bendine não é aumentar a produção de petróleo, mas sanear as finanças da estatal:

– A gestão de Bendine visa ao saneamento financeiro da Petrobras, depois é que se vai pensar em coisas como aumento da produção. O importante é a arrumação financeira. O novo plano tem que ser realista e dar ao mercado credibilidade.

Fornecedores já sentem os efeitos

A redução nos investimentos é vista, ainda, com preocupação pelos fornecedores da indústria. Segundo José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a cadeia já sofre com a paralisia nos projetos da estatal. Velloso lembra que hoje os fornecedores têm R$ 400 milhões a receber de dívidas comprovadas das construtoras contratadas pela Petrobras.

– O volume de pedidos novos está quase zerado. Hoje, as companhias estão vivendo de reposição e manutenção de peças. Esse freio da Petrobras será muito ruim para a indústria nacional e para a economia como um todo, pois a Petrobras responde por metade dos bens de capital (máquinas) comprados no país. Como serão feitas encomendas se as refinarias estão paradas? – questiona Velloso.

Para o professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV/EPGE) Aloísio Araújo, a redução de investimentos já é esperada. Araújo avalia que, por isso, o marco regulatório do regime de partilha para o pré-sal deveria ser revisto. Para ele, a obrigação de construir parte dos equipamentos no Brasil (conteúdo local) é muito elevada:

– O nível de conteúdo local elevado favorece a formação de cartéis. Obrigar a Petrobras a ser operadora em todos os blocos do pré-sal não faz sentido.

Procurada, a Petrobras disse que seu Plano de Negócios “está em elaboração e será divulgado em breve”.

 (Fonte: O Globo, por Ramona Ordoñez, 10/05/2015)