A PETROBRÁS, os direitos sociais e a hegemonia do modelo Econômico Neoliberal

 kress                                                                                     Guilherme Kress(*)

Sob o título “PETROBRÁS: REFLEXÕES SOBRE O DESMONTE ANUNCIADO”,  concluiu-se o artigo  dando ênfase à indispensabilidade de mobilizações populares de âmbito nacional, no resgate e revigoramento da PETROBRÁS e, em geral, na defesa de nossas instituições, onde se inserem os direitos e garantias individuais e coletivos assegurados pela Constituição.

Relativamente ao setor petróleo, é importante adicionar algumas considerações sobre a responsabilidade direta dos representantes da União,  pelos vícios na administração da PETROBRÁS.

Em que pese a infrene ousadia de detentores do poder, atuais e anteriores, em afrontar a lei e pilares constitucionais, é importante ter sempre presente que a PETROBRÁS é patrimônio da Nação Brasileira; não é nem pode ser tida  como propriedade “do governo” ou “de governo”, estrutura política transitória por excelência.  Portanto, a nenhum  governo é lícito, a seu exclusivo talante, alterar seu objeto social, afetar-lhe a estrutura, comprometer seu patrimônio,  aliená-la ou liquidá-la.  Cabe ao Executivo federal do momento, ao representar ativa e passivamente o acionista controlador, no caso a União, orientar as atividades da PETROBRÁS respeitando seu relevante objeto social, tal qual, diante do clamor público,  inspirou-se o legislador em 1953, no atendimento ao abastecimento nacional do petróleo, resguardadas, permanentemente, razões de ordem econômica e estratégica, sempre presentes.

A destinação específica da PETROBRÁS, como sociedade de economia mista, tal qual resume a Lei das Sociedades Anônimas, é o indispensável atendimento ao “interesse público que justifica a sua criação”.  Coerentemente, dispõe a mesma lei: “O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”, constituindo uma das modalidades de exercício abusivo de poder “orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional”.  Ainda pela pertinência ao tema, vale lembrar a regra contida na mesma lei, a balizar o dever primordial, a ser observado pelo acionista controlador em qualquer tipo de sociedade anônima: “O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o  seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”

No entanto, na esteira do truncado  blefe Collor, os detentores do poder, do “tucanato” ao “petismo” (ambos  com o apoio capitaneado pelo PMDB),  vêm, por ação ou omissão, sistemática e despudoradamente, atropelando regras e princípios legais e constitucionais. Não escapa sequer a própria Carta Magna de 1988, largamente conspurcada pela ação infamante de um desprestigiado Legislativo, em perfeita simbiose com governantes indignos, daqueles que, inebriados pelo poder e ambições pessoais, querem a Constituição e as leis adaptadas aos interesses do modelo econômico fundado na especulação financeira, como sempre resguardados os apetites e privilégios (mormente tributários) das  poderosas minorias (1% concentrando 25% da riqueza nacional), dos “lobbies” que os sustentam. Daí as privatizações do patrimônio empresarial e serviços públicos, afetando-lhes a destinação e a qualidade; a fragilização do monopólio do petróleo e o desmonte da PETROBRÁS; a “reforma” da Previdência e o malsinado “fator previdenciário”; as terceirizações de mão-de-obra nas atividades-fim dos setores privado e público; a crônica subtração de recursos para a educação e a saúde; o aviltamento das funções públicas; o desemprego e o subemprego, entre outros efeitos incompatíveis  com o elevado escopo constitucional, oposto à prevalência do capital, por si só e a qualquer preço, como sustentáculo do desenvolvimento nacional: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (art.193).  Em seus desvirtuados desígnios, os títeres do neoliberalismo apátrida esmeram-se em manter o povo, que neles confiou, enganado, desinformado  quanto ao real significado do modelo econômico que vem imperando entre nós, gerador, pela sua própria natureza, de efeitos nocivos à justiça social, à preservação das nossas instituições, à soberania nacional. De conseguinte, à maioria do povo não é nítido sequer que, na nefasta prevalência da lógica do capital, o País, de costas para o  desenvolvimento com justiça social, vem se situando entre os que ostentam os maiores índices de concentração de renda e os piores índices de desenvolvimento humano (IDH).  Muito menos que, em prejuízo dos direitos sociais, – com destaque para a educação, a saúde, o trabalho, a moradia digna, a segurança e a  previdência social,  quase 50%  dos recursos orçamentários da União sejam destinados a juros e amortizações da ”Dívida Pública”, isto é, ao “mercado” especulativo. Enquanto isso, ao menor sinal de risco para o “mercado”, novos sacrifícios, eufemisticamente apelidados de “reequilíbrio das contas do governo”, “austeridade financeira”, “ajuste fiscal” e outras baboseiras, são exigidos do povo, vítima e pagador único  da elevada conta dos descalabros governamentais.

Urge que se dê um BASTA a esse dantesco cenário nacional. Os fatos estão aí, suficientemente contundentes para, a benefício da presente e das futuras gerações, sustentar  o fim da degradação de condições de vida,  do que nos vem sendo imposto em nome de um falso regime democrático. Para tanto, tenhamos sempre presente a primordial cláusula pétrea da Constituição:  ”Todo poder emana do povo, que o exerce  por meio de representantes eleitos ou diretamente”.  Sobretudo diante da contumaz infidelidade de seus representantes políticos, densamente desacreditados, nada mais legítimo que o exercício direto do poder, mediante mobilizações pacíficas mas irreversíveis, tendo como objetivo fundamental e permanente o banimento do modelo econômico que prospera entre nós e não apenas das consequências decorrentes de sua adoção, por mais graves que sejam.  Esse ingente porém indispensável combate há de ser urgente mas não apressado, irrefletido, passível de enfraquecimento diante de astuciosas armadilhas, como, na disputa pelo poder, o imediato “impeachment” presidencial, como se não estivéssemos, com a sua adoção, tão somente trocando 6 por meia dúzia, legendas que têm em comum a improbidade na Administração Pública e  a tutela do capital especulativo.

Afigura-se imprescindível que o minguado setor político restante,  lideranças  intelectuais e organizações sociais e classistas, efetivamente identificados com o humanismo,  a ordem social, as prerrogativas da  cidadania e o respeito às nossas instituições basilares, se unam em torno  de uma edificante democracia representativa-participativa, partindo de uma inadiável cruzada,  onde o objetivo primeiro seja o da convocação do povo para a construção consciente de um projeto político condizente com um país verdadeiramente soberano e respeitável.      Postos de lado sectarismos e a surrada repetição de estereótipos e “slogans” opacos, que essas pessoas e entidades, unidos em seus ideais e objetivos, abram suas vocações na reformulação de forças políticas capazes de vocalizar direitos e anseios das maiorias desassistidas, promovendo encontros cívicos onde, com firmeza e palavras de fácil compreensão, ponham em evidência as seguintes questões:  a) a verdadeira face do modelo econômico que vem prosperando entre nós, suas falcatruas e seus reais objetivos, e o comprometimento de autoridades federais, estaduais e municipais em ações lesivas à ordem social, para atender aos interesses do capital especulativo; b)  o viciado processo eleitoral, a partir da influência decisiva do poder financeiro e da atuação nefasta da mídia, aliada às fraudes nas pesquisas eleitorais;  c) o significado de ‘soberania política do povo’ e a essencialidade de ‘pôr em prática’ os direitos da cidadania;  d) a importância  do voto consciente e do acompanhamento crítico da fidelidade dos eleitos às promessas de campanha; e) a imprescindibilidade de o povo mobilizar-se e manter-se mobilizado na defesa dos direitos individuais e coletivos, no rumo do progresso e da justiça social para a atual e futuras gerações.  O coordenado e eficiente exercício dessas e de ações do gênero tenderá a produzir, além de suas elevadas finalidades, um gradual reajustamento nas comprometidas hostes midiáticas e servir para identificar os que, de fato, se dispõem a colocar a mobilização cidadã acima de interesses pessoais ou corporativos.   Concluo por registrar que as considerações e proposições acima nada mais representam que um convite à reflexão e à atitude de tantos quantos, altruisticamente, rejeitam as ditaduras, ostensivas ou não, bem como o recurso às violências de toda ordem, sob a capa de um falso regime democrático.

(*) Advogado da PETROBRÁS, aposentado.