Homenagem póstuma ao engenheiro Francisco Paula de Medeiros

amigosLuiz Pinho e Souza*

A noticia do seu falecimento chegou a mim com algum atraso. As minhas tentativas de contato por telefone, ultimamente, para São Luís (MA), onde ele residia, foram infrutíferas. Eu sabia que o seu estado de saúde era cada vez mais precário. Passado o período de aceitação que a nossa mente exige para digerir este tipo de noticia, vêm as reminiscências da figura ímpar do colega, chefe e amigo de tantos anos.

Provavelmente, eu tive o privilégio de uma convivência mais longa com Medeiros. Cerca de uns três anos na minha frente, na Escola de Engenharia, nós nos conhecemos por frequentarmos locais comuns e iniciamos uma amizade, que muito me gratificava e, algumas vezes, me surpreendia.  Alguns livros didáticos, Medeiros me emprestou e me ajudou a tirar dúvidas.  De imediato, chamaram a minha atenção, a sua inteligência brilhante, a sua franqueza extrema e a sua paciência em lidar com colegas mais atrasados – o que não era comum.  Pouco mais adiante, eu o encontrei no CPOR, já no 2º ano do Curso de Artilharia (eu no 1º), quando a alcunha de “Esporte em Marcha” lhe era atribuída, pelas suas qualidades de esportista, principalmente como campeão de corrida em velocidade.

Concluído o Curso de Engenharia Civil, Medeiros ingressou imediatamente no Conselho Nacional do Petróleo (CNP).  Eu cursava o terceiro ano quando foi criado o Curso Especial de Engenharia de Petróleo na Escola de Engenharia, uma parceria do CNP e a UFBA, quando vários jovens engenheiros do CNP ingressaram naquele Curso. Francisco Medeiros era um deles – aí, fomos colegas de classe.  Durante este curso, fui, como estudante, contemplado com estágio no CNP, voltando a encontrar Medeiros.

Ao me formar, decidi aguardar alguns meses pela instalação da Petrobrás e fui experimentar um pouco a atividade de engenharia de estradas, no Rio Grande do Norte e lá, conheci duas irmãs de Medeiros – poucos sabem que ele era natural daquele estado.

Com a criação da Petrobrás, ingressei nos seus quadros, como Engenheiro Estagiário, inicialmente nos Campos de Água Grande (Catu) e Mata de São João.  Durante o meu estágio, não encontrei Medeiros, mas tomei conhecimento das suas aventuras, quando trabalhou naquelas áreas. As suas habilidades de operador, durante o estágio, deixaram marca e referência.  Na segunda metade da década de 50, Medeiros chefiou os trabalhos de perfuração no Campo de Candeias e viajou para os Estados Unidos onde cursou Engenharia de Petróleo na Universidade de Palo Alto.  No retorno, sei que Hamilton Lopes, como Chefe da Divisão de Perfuração da então RPBA, tentou trazer Medeiros para junto de si, em Salvador, sem sucesso – ele preferia continuar no campo, em Candeias. Nesta época, tive a oportunidade de trabalhar com Medeiros, em Candeias, recebendo apoio e consideração.

No inicio dos anos 60, Medeiros foi designado Superintendente da Região de Produção do Nordeste, com sede em Maceió – na sua gestão, os campos no estado de Sergipe tiveram maior desenvolvimento e a sede da Região foi transferida para Aracaju. Assumindo posição mais alta na administração da empresa, Medeiros nunca modificou o seu comportamento de pessoa simples, desligado de qualquer compromisso que não fosse o interesse da Petrobrás.

Naquela época, houve um movimento de renovação nos quadros da Petrobrás, inclusive na alta administração, com forte influência dos órgãos sindicais. Medeiros foi indicado para ocupar a Diretoria de Exploração e Produção.  O pouco tempo que ocupou o cargo, destacou-se pelo comportamento independente de qualquer conotação política ou sindical, contrariando corajosamente interesses que não fossem os da empresa.  Conhecendo as potencialidades da RPBA, transferiu para cá vários recursos que estavam tendo emprego menos nobre em outras áreas. Além disso, iniciou uma filosofia que manteve ao longo das suas várias gestões, de apoio decisivo à industria nacional de equipamentos e insumos para o petróleo.

Ainda nessa fase, o país foi surpreendido com a revolução de 1964. A Diretoria da Petrobrás foi destituída e Medeiros recebeu a confiança da nova administração, sendo  designado para um posto de coordenação especial, englobando as atividades da Petrobrás no Nordeste. Nesta missão, ele coordenou as modificações nas administrações das várias unidades da área, quando foi designado para a Superintendência da RPBA, o engenheiro Hamilton Lopes.

Finda a missão, Medeiros voltou para o seu antigo posto de Superintendente da RPNE, em Aracaju. Uma característica peculiar da personalidade de Medeiros, é a sua capacidade de assumir cargos, subindo ou descendo na escala hierárquica, sem perder a motivação e o entusiasmo pelo seu trabalho. Durante a década de 60, os trabalhos da Petrobrás tiveram desenvolvimento acentuado no Nordeste, notadamente na RPBA, com Hamilton Lopes e na RPNE, com Medeiros.

Durante o ano de 1968 tudo parecia seguir em plena normalidade, quando em setembro, aconteceu a catástrofe, que abalou sobretudo a RPBA, se não, a própria Petrobrás: o assassinato de Hamilton Lopes.  De imediato, Medeiros foi trazido para a Superintendência da RPBA, medida muito acertada, pois se tratava de um filho da casa e um amigo de Hamilton. Medeiros soube agir com muito cuidado na superação da crise.  Pouco depois, foi transferido para assumir a Superintendência do Dexpro, no Rio.  Além de levar consigo vários componentes da sua equipe, de lá, exerceu um apoio decisivo para a dinamização dos programas da RPBA.

Prosseguiu ainda, na política de apoio à industria nacional de equipamentos e insumos para a área de petróleo.  Este esforço conjunto da Petrobrás resultou que se atingisse um alto percentual (chegando a 85%) de atendimento pelo mercado interno, das necessidades operacionais. A partir da década de 1990, quando as necessidades operacionais ficaram mais exigentes, paradoxalmente, a política de nacionalização foi abandonada e aquele percentual caiu vertiginosamente.

No inicio da década de 1980, Medeiros já tinha alcançado largamente a condição de aposentadoria plena, e, na verdade, sentia a necessidade de reduzir o ritmo das suas atividades. Era hora de retornar a Salvador e priorizar a assistência à família.   Modificando totalmente o estilo quase frenético de suas atividades, passou a integrar o elenco dos professores do Senba. Com a sua vasta cultura técnica e inteligência brilhante, deixou marca em todos quantos por lá passaram na época.

Finalmente, em 1983, atendendo, sobretudo interesses da família, aposentou-se e passou a residir em São Luís do Maranhão.

Afastado totalmente do ambiente de trabalho que tanto lhe gratificou, Medeiros começou a se desligar da engenharia. Como passatempo pintou quadros, com bastante habilidade. A certa altura, uma enfermidade insidiosa o atacou, mas não conseguiu vencê-lo facilmente – o seu organismo ainda guardava uma boa reserva da juventude.

No dia 28 de abril, deste ano de 2014, o nosso amigo nos deixou. Com a sua grande energia, uma nova missão com certeza lhe está reservada, em outra existência.

Salvador, 05/11/2014

(*) Associado da AMBEP  Salvador